O Pornographo - um blog que não sai do corpo (fund. 2005)
sexta-feira, julho 29
 
[10] Qual é o potencial onírico do Diário da Republica? Escasso, dirão muitos. Todavia, ao Pornographo, a leitura deste post evocou um sonho antigo: ser entrevistado, conjuntamente, por João de Mendia e Silva Resende.
 
quarta-feira, julho 27
 
[9] Entre dois balancetes tramados, penso: perguntar pelos limites da pornographia é querer saber onde acaba a imaginação humana. Com efeito, desde a Vénus de Willendorf que o Homem (com maiúscula) não tem parado de criar pornographia.
Este post não era bem sobre isto, mas, no escrever-se, surgiu um insight interessante.
Reparem na diversidade das formas como se pode representar a mesma Vénus:
- a perspectiva "de cima para baixo" e a pequena escala do objecto denotando a repressão austríaca;
- a multiplicidade de ângulos, incluindo um plano de tipo ginecológico, denunciando a curiosidade e a cientificização americanas;
- o fundo malva e o jogo de luzes de onde dimana a misteriosa e doce sensualidade russa;
- a pose salerosa, a 3/4, com os quadris em evidência e um seio apontado à objectiva, do olhar espanhol;
- a iluminação expressionista, incidindo apenas sobre as partes que interessam, da visão alemã.
Se existisse, como seria a representação portuguesa? Adivinho: um extenso plano das omoplatas.
 
 
[8] Espremidos os pontos pretos dos links graças às preciosas instruções dos gentis leitores, a quem agradeço do fundo do coração. Aproveito para saudar efusivamente todos os que cumprimentaram O Pornographo nos seus blogs e aqui nos comentários. Sigamos então para bingo.
 
sábado, julho 23
 
[7] Em jeito de meta-pornosofia: O Pornographo não é propriamente um blog de pornographia, mas sim uma reflexão sobre aquela área do saber que dá pelo nome de pornosofia, a cujos cultores chamarei pornosófilos (os que têm amizade pelo espírito pornographico).
A pornosofia não se reduz ao conhecimento da pornographia (a uma pornologia), porque requer um discurso que transcende o logos e uma disposição que não é simplesmente cognoscente. É um saber holístico, que ambiciona atingir uma compreensão integral do mundo e do Homem - que ambiciona constituir-se numa espécie de Scienza Nuova Terza.
Porquê, então, o nome de pornographia? perguntarão os que chegaram a este parágrafo. A esses respondo: por dois motivos.
Pornographia porque o nosso objecto é essencialmente, como veremos, representação.
Pornographia, também, para traçar a necessária distinção relativamante à pornografia, ou lixo pornográfico, que inunda as ruas, os cinemas, a internet, confundível pelo vulgo com a pornographia. A pornografia está para a pornographia como um whopper está para o arroz de sarrabulho da Encanada. Não sei se me faço entender.
Muito mais haveria a dizer, e assim, mas por hoje chega, que é fim-de-semana.
 
sexta-feira, julho 22
 
[6] Digo-vos: o post que virá a seguir a este é o mais importante que O Pornographo conhecerá. Apetecia-me escrevê-lo já, mas decidi reservar-lhe o número [7]. Os números são muito importantes para um escriturário.
Neste número [6] limitar-me-ei a deixar cair algumas banalidades.
A maior parte dos especialistas em cultura geral, e assim, concorda em que a generalidade das coisas do mundo, sobretudo as artes, são sucedâneos pobres da pornographia. São uns quases. Por razões diversas, que a seu tempo examinaremos, arredamo-nos e somos arredados da emoção pornographica, contentando-nos com emoções comuns [»4].
Deliciamo-nos com Herberto Hélder porque não lemos As Filhas do Feitor. Extasiamo-nos com a janela do Convento de Tomar porque não prestámos a devida atenção aos potentes rabos graníticos das ruas de Miranda do Douro e da Igreja de Algosinho. Dissertamos sobre Lili Marleen porque ignorámos a Marlene de Les Putes et les Soldats (2).
Às vezes, a emoção pornographica - sempre a querer vir, por assim dizer, ao de cima - converte-se em emoção comum e impele-nos a admirar a sensualidade de Natália Correia, o ritmo de Bocage, a edição de Pasolini, a genialidade de Prince, a crueza de Paula Rego. Tretas. A emoção pornographica é um ente ôntico e não vale a pena tentar desfazer essa pequena bolha de azeite na água fraca de que somos feitos.
 
quinta-feira, julho 21
 
[5] Comecei por dizer: sou escriturário. Sou muito bom a fazer folhas Excel, mas sou nada em blogotécnica. Não gosto daqueles pontos pretos ali ao lado, antes de cada link. Até condizem com uma certa ideia de pornographia (lá chegaremos), mas não gosto. Quando tentei espremê-los, deu-se uma inesperada orgia de links, tão cómica como pouco prestável. Se alguém tiver uma boa ideia (quer dizer, em menos de três linhas) que sirva de Clearasil, agradeço.
 
 
[4] Glossário d'O Pornographo*: » Emoção comum: diz-se da experiência estética que não tem uma origem pornographica. Como, p. ex., em " A Paixão segundo S. Mateus provoca em nós uma emoção comum".
*Créditos: ao excelente Impertinências. O Pornographo terá o seu Glossário, para onde remeterão os termos utilizados nos posts. Exemplo: emoção comum [»4].
 
quarta-feira, julho 20
 
[3] Nenhuma aventura do espírito deve iniciar-se sem uma investigação, ainda que perfunctória, do que o imortal Kant pensou, ou podia ter pensado, sobre o projecto. Em relação à pornographia, o filósofo de Königsberg foi, como sempre, luminoso: "Acontece aqui, pois, o que se encontra em geral no conflito de uma razão que se atreve a ultrapassar os limites de uma experiência possível; a saber: que o problema não é propriamente fisiológico, mas transcendental" (Crítica da Razão Pura, p. 563 da 2ª ed. (1787), na versão de Hartenstein; itálicos, incisivos, do A.).
Perante tanto acerto, e dada a absoluta convergência das nossas pré-compreensões do objecto, tomaremos humildemente o grande Immanuel como padroeiro deste blog.
 
 
[2] Muitos escrevem-me a perguntar por que escolhi este nome para o blog. A esses eu digo: por dois motivos.
Porque até é possível que eu não fale de pornographia, mas se o fizer ninguém vem aqui ao engano.
E porque é para ser um blog lido por poucos, e mesmo esses às escondidas.
Senão fica tudo muito público.
 
 
[1] Ao contrário do que se poderia pensar, a minha profissão é muito interessante.
Sou escriturário numa empresa que comercializa véus de noiva. Conheço bem os tules, os cetins dos laços, os debruns de veludo. É uma escrita leve, num ambiente diáfano.
Este blog começou por causa de um episódio fortuito. O meu posto de trabalho fica no vão da escada que leva ao 1º andar, onde se encontram os gabinetes da directora e das suas secretárias. Todos os dias sobem e descem centenas de pernas femininas por aqueles degraus. Em geral, são pessoas muito respeitadoras.
Mas ontem, a directora, naquele seu ar saia-casaco-de-linho-com-
-decote-e-racha-executiva, não parava de subir e descer as escadas. De cada vez, não conseguia alhear-me do enervante plim-plim-plim metálico das bolinhas ben-wah. Eu estava a tentar concentrar-me nas vendas de Junho - agora no Verão casa muita gente - e fiquei maçado com aquilo. De mau, resolvi fazer um blog para alimentar no horário do trabalho.
Vou falar-vos de pornographia.
 
  • "Não digais: «Dá três sem a tirar». Dizei: «É um simplório»" (Pierre Louÿs, Manual de Civilidade para Meninas)
  • "«Irei pelos penhascos» - disse ele, saindo da gruta" (Lobsang Rampa, O Eremita)
  • "This time we go sublime" (Frankie Goes to Hollywood)