O Pornographo - um blog que não sai do corpo (fund. 2005)
quarta-feira, agosto 31
 

[19] A propósito de uma conversa que ouvi hoje, involuntariamente, entre o porteiro e a mulher da limpeza aqui do escritório, vou falar-vos do conceito de apropriação pornographica.
A apropriação pornographica consiste no processo através do qual o pornosófilo [» 7] utiliza uma ideia ou um dispositivo formal pré-existentes, com transformações ou sem elas, para veicular uma emoção pornographica.

Qualquer matéria-prima é susceptível de utilização. A título de exemplo, veja-se a Balada da Neve, de Augusto Gil, e, a seguir, uma possibilidade de apropriação pornographica:

Tocam leve, levemente,
como quem puxa por mim.

Será Paula? Será Lena?
Paula não é, certamente
e a Lena não mas bate assim.

É talvez a Ti Maria:
mas há pouco, há poucochinho,

minha pila não bulia
na quieta melancolia
dos lençóis do meu quartinho...

Quem ma bate, assim, levemente,
com tão delicada leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é Paula, nem é Lena,

nem é Teresa com certeza.

Fui ver. A glande saía
do arroxeado prepúcio,

tesa e grande, tesa e quente...

- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a naquela mão:
pôs tudo da cor do linho.

E aquela mão generosa

fica toda pegajosa

na brancura do laguinho...

Não vejo rosto nenhum.
Mas de quem é 'quela mão

macia como Cadum?

Paira um hálito de rum,

deve ser a Conceição.

E rijinhos, tão queridos,
os seios que me são tudo

oscilam bem definidos.

Diz-me ela: sinto-os doridos,

está pra me vir o período...

Aproveita, manganão!
- penso de mim para mim.

Mas lembro-me então – maldição!

não me sobra condição:

ainda agora me vim!

E uma infinita tristeza
daquela masturbação
entra em mim, fica em mim presa.
Já não tenho a pila tesa
- vai-se embora a Conceição.

 
segunda-feira, agosto 29
 
[18] A vulva de Vanessa del Rio e José Régio:
Em certa época da minha vida fui um leitor compulsivo da poesia de José Régio. Li tudo, sim, li tudo, por diversas vezes. Como a todos, tocava-me muito a Toada de Portalegre. Mas vivia dificilmente com os versos

Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela

Parecia-me que, neste passo, o Poeta pressupunha que se quer necessariamente mais às coisas talhadas para nós - às coisas que nos são dedicadas - do que às outras, insinuando até que o querer surge, não das propriedades da coisa querida, mas do facto de ela ter sido feita para nós.
Era aí que a partícula "como se" - o famoso als ob de Kant - ia buscar o seu sentido: não foi feita para mim, mas eu amei-a tanto como se fôra.
Este tipo de pensamento não se coaduna com o meu irredutível amor ao estranho e ao novo (ao próximo da doutrina cristã) e cheguei mesmo a desprezar os ditos versos.
Porém, em meados dos anos 80, ao rever um filme com Vanessa del Rio (talvez o Vanessa X-Posed), entrada nos trintas, em pleno apogeu das suas formas (já sem o ar arrapazado dos seus primeiros filmes e ainda sem o aspecto biónico que lhe agrafaram depois), fez-se-me luz. Não sou propriamente um fan de Vanessa (também não desgosto, até gosto), mas, quando prestei atenção àquela magnífica vulva polposa, quase dotada de existência independente, com seu clitóris défiant, percebi os versos de Régio: qui-la, também, como se fôra feita para eu morar nela.
Não se trata de pressupor um modelo concreto (de casa, de vulva) que tivesse sido desenhado para nós, de acordo com preferências previamente dadas, e que possa servir de padrão (como se fôra) ao nosso amor pela realidade que efectivamente o não foi. Ao contrário do que a afinidade entre "casa" e "morar nela" sugere - e que por isso mesmo torna o artifício deliciosamente ambíguo -, o Poeta não se exprime num registo denotativo, antes manipula com mestria o sentido conotativo de toda a expressão: aconchego, integração perfeita, uterinidade recomposta.
Assim se compreende que o "como se fôra feita para eu morar nela" seja, não uma remissão para uma planta de casa pressuposta, mas uma ideia universal, aplicável a qualquer realidade.
E só assim se explica, também, que eu tenha alcançado essa ideia ao contemplar a vulva de Vanessa del Rio: em registo denotativo, ninguém quereria morar num lugar tão escuro e húmido.

 
 
[17] Eis-me de regresso ao vosso convívio!
Enquanto as leitoras e os leitores d'O Pornographo laureavam a pevide nas usuais estâncias de veraneio, este vosso criado dedicou as duas últimas semanas a rever materiais antigos e a reler notas e apontamentos, à actualização de conhecimentos, e, evidentemente, fez alguma meditação pornographica. Passados 15 dias, estou exausto, mas feliz, com aquela felicidade que só o transcender-se a si próprio nos traz.
Vou acabar de pôr em ordem o expediente amontoado na secretária, e já volto.
 
sábado, agosto 13
 
[16] O Pornographo entra em modo murcho durante uns dias. Boa altura para rever a matéria dada.
Pornographai por aí.
 
quinta-feira, agosto 11
 
[15] FPF-GT [»12]: O Sandinista Ondinista. Filme da categoria FES [»13].
A história é singela mas escaldante: o guerrilheiro sandinista Hierro Hirto é capturado pelas forças governamentais e entregue à agente especial americana Colmi McCunt, perita em tortura genital. A acção gira em volta de SM durísssimo e variado, até que, querendo infligir ao prisioneiro a humilhação derradeira, a agente McCunt submete-o a uma sessão de chuva dourada. Inesperadamente, Hirto (a importância de uma vírgula!) recorda a sua infância na aldeia perdida junto às margens do Rio Amarelo, o que lhe permite recobrar forças e não quebrar até à chegada dos seus companheiros. Comandados pelo irmão gémeo de René Higuita, os sandinistas atacam de surpresa a base e violam a agente McCunt à vez, como se não houvesse amanhã.
O fim transmite uma mensagem positiva, com a conversão de McCunt ao budismo, por não ter outra posição para se sentar.
 
segunda-feira, agosto 8
 
[14] Eu sei, este trabalho de construção dos conceitos não é muito atraente para o iniciado. Mas alguém tem que fazê-lo.
 
 
[13] Glossário d'O Pornographo: » FES: Filmes com Enredo Secundário. Diz-se dos filmes que integram no guião uma história capaz de contribuir activamente para o fortalecimento do prazer pornographico. Não confundir com o lixo pornográfico pretensioso que mete histórias patéticas entre rabos e mamas.
 
 
[12] Glossário d'O Pornographo: » FPF-GT: Filmes Por Fazer - Grandes Títulos. Secção destinada a registar o copyright para títulos de filmes futuros.
 
segunda-feira, agosto 1
 
[11] Hoje é um excelente dia para escrever sobre as férias, o tira e o mete.
Sempre me intrigou o uso dos verbos tirar e meter em relação ao tempo em que não se trabalha. Toda a gente diz: "vou tirar férias em Agosto". E diz-se, mesmo, "tenho que tirar uns dias de férias".
Mas ninguém tira um dia de férias para arredondar a ponte ou para ir à Rosete, tal como ninguém tira uma semana de baixa: mete uns dias de férias ou de baixa.
É um uso singular. A que se deve? perguntareis.
Acho que quem tira, diz que o faz porque sente que aquilo é seu. Tira e pronto, ninguém tem nada a ver com isso.
Já o meter tem algo de sacanice. Quem mete dois dias de férias ou de baixa, diz que o faz com o secreto prazer de que está a, por assim dizer, encavar a entidade patronal. Tipo, "não, sra. engenheira, não vou tirar férias agora - mas tenho que meter dois ou três dias para ir ao casamento do meu sobrinho em Timbuctu".
No meu caso, já percebi que não posso tirar um tempo de férias quando quero. Mas se disser à engenheira que o vou meter, abre-se toda em sorrisos e não há problema. Antes assim.
 
  • "Não digais: «Dá três sem a tirar». Dizei: «É um simplório»" (Pierre Louÿs, Manual de Civilidade para Meninas)
  • "«Irei pelos penhascos» - disse ele, saindo da gruta" (Lobsang Rampa, O Eremita)
  • "This time we go sublime" (Frankie Goes to Hollywood)