[19] A propósito de uma conversa que ouvi hoje, involuntariamente, entre o porteiro e a mulher da limpeza aqui do escritório, vou falar-vos do conceito de apropriação pornographica.
A apropriação pornographica consiste no processo através do qual o pornosófilo [» 7] utiliza uma ideia ou um dispositivo formal pré-existentes, com transformações ou sem elas, para veicular uma emoção pornographica.
Qualquer matéria-prima é susceptível de utilização. A título de exemplo, veja-se a Balada da Neve, de Augusto Gil, e, a seguir, uma possibilidade de apropriação pornographica:
Tocam leve, levemente,
como quem puxa por mim.
Será Paula? Será Lena?
Paula não é, certamente
e a Lena não mas bate assim.
É talvez a Ti Maria:
mas há pouco, há poucochinho,
minha pila não bulia
na quieta melancolia
dos lençóis do meu quartinho...
Quem ma bate, assim, levemente,
com tão delicada leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é Paula, nem é Lena,
nem é Teresa com certeza.
Fui ver. A glande saía
do arroxeado prepúcio,
tesa e grande, tesa e quente...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a naquela mão:
pôs tudo da cor do linho.
E aquela mão generosa
fica toda pegajosa
na brancura do laguinho...
Não vejo rosto nenhum.
Mas de quem é 'quela mão
macia como Cadum?
Paira um hálito de rum,
deve ser a Conceição.
E rijinhos, tão queridos,
os seios que me são tudo
oscilam bem definidos.
Diz-me ela: sinto-os doridos,
está pra me vir o período...
Aproveita, manganão!
- penso de mim para mim.
Mas lembro-me então – maldição!
não me sobra condição:
ainda agora me vim!
E uma infinita tristeza
daquela masturbação
entra em mim, fica em mim presa.
Já não tenho a pila tesa
- vai-se embora a Conceição.