O Pornographo - um blog que não sai do corpo (fund. 2005)
sexta-feira, abril 27
[147] Mais vale tarde que nunca, mas cedo é melhor que tarde
Regresso ao vosso estimado convívio com os olhos duplamente vermelhos e lacrimejantes (duplamente para cada uma das afecções). Um misto de desalento e de alegria éclatante. Desalento: andei durante os últimos tempos a escarafunchar por todo o lado, em condições quase sub-humanas, para vos afixar um post no dia 25 sobre o primeiro, o primeiríssimo filme XXX Hardcore (como se dizia na altura) que passou nas telas públicas da pátria de Almeida Garrett. Debalde. Continuo em vergonhosa ignorância, porque em 1974 tinha só 16 anos, com carinha de 14. Ainda tentei falar com o João César Monteiro, que sabe isso de certeza, mas um imbecil qualquer pôs-me a andar com a desculpa de que ele "já não está entre nós". Ahaha. O que eles inventam para afastar os chatos. Alegria éclatante: porque o valoroso Piotr Kropotkine, dono da juke-box mais anárquica do planeta - qualquer semelhança entre a música que queremos e a que pomos a tocar, ao fim de um minuto de náusea de ver linhas a subir e a descer, é pura coincidência - colou uma medalha inteiramente merecida a O Pornographo, que só peca por tardia. Já não recebia uma medalha desde que me classifiquei em primeiro lugar nos exercícios de respiração boca-a-boca do Serviço Cívico obrigatório (até uma cabra reanimei). Fica portanto estabelecido, por voz respeitáda, inçospeita e imparssial, que esta modesta datcha é um dos think-tanks influentes na pornosofia lusa, e assim. De bónus, ainda descobri nos comentários ao post condecoracional uma frase aguda, atribuída a um tal Professor Fonseca: "existem duas maneiras de enrabarem a nossa mente, com ou sem o nosso consentimento". Ora a mim sempre me interessaram os mecanismos da sodomia espiritual, e isto é matéria de meditação. Bem hajam.
... eis senão quando surge a terceira revolução pornographica: a candid camera. O vertiginoso avanço e a democratização da tecnologia permitiram que largas camadas da população deixassem a posição de espectador expectante da cena pornographica para se tornarem em actores, realizadores, produtores e, mesmo, numa fase tardia, distribuidores de pornographia. Aquilo a que chamarei, nas minhas memórias, o efeito inverso da Rosa Púrpura do Cairo. Claro que a Polaroid já era um prenúncio dessa possibilidade, garantindo a intimidade da fixação e revelação da cena pornographica. Mas hoje, as polaroids mais hard-core têm o ar ternurento das fotografias em brometo de prata que o Papo-seco nos traz semanalmente. As massas libertam-se, compreendendo que a produção pornographica está ao seu alcance, e que já não têm que pagar os gostos dos comerciantes profissionais. Criam os seus cenários, desenham o guarda-roupa, determinam a abundância ou a ausência de pintelheiras. Encenam ou filmam "ao natural". E é precisamente este "natural", quanto mais se afasta do artifício comercial, que instaura um novo paradigma pornographico. O povo já não quer ver as actrizes lourisculturais, cinzeladas nos seus silicones, nem os actores bronzeados e dotados, com cara de comissários de bordo. O povo quer ver gente real, igual a ele - como se fosse ele, ou, melhor ainda, a Dona J. Quer ver a cara do sargento do 1º Esq. quando se submete a uma massagem prostática. Quer confirmar que a Dona M. C. tem estrias na barriga. Naturalmente, as produtoras comerciais reagiram. Passaram a procurar amadores para as suas representações. Gente comum, com borbulhas nas nádegas, dentes encavalitados, sovacos peludos. Mulheres que se engasgam, homens que não acertam à primeira. A iluminação é propositadamente má, a câmara ao ombro, a descoberta do POV, os diálogos improvisados, a dizer: isto é real. Não obstante, pese embora a inteligência da jogada, já é manifesto que não as salvará: o crescimento das possibilidades de distribuição privada e gratuita através da internet, somado à preferência pelo real-real em relação ao real-construído, ditam-lhes dificuldades inultrapassáveis. Em consequência, começaram a explorar uma outra direcção, onde o profissionalismo tem mais trunfos: os niches do mercado. A eles nos devotaremos brevemente.
Naquela Páscoa, Mafalda decidiu que a sua filha Francisca, de 8 anos de idade, devia procurar os ovinhos de chocolate em pleno campo. Meteu-a no Cayenne e rumaram ao "monte" perto de Serpa, que o marido tinha comprado há uns anos a um cliente com problemas de liquidez. Quase nunca lá iam, mas aquela era uma boa ocasião. Quando chegaram, Mafalda tratou de esconder os ovos pelo mato e requisitou um coelho à mulher do caseiro. Era felpudo e cinzento, e chamava-se Gonçalves. Mafalda disse então a Francisca para ir procurar os ovinhos de chocolate com o coelho Gonçalves, onde ele os tivesse posto, e instalou-se confortavelmente no automóvel com uma resma de papéis onde tinha mandado imprimir os pensamentos que as suas duas ou três amigas bloggers tinham vertido na última semana. Cerca de 15 posts depois, Francisca regressou com o obediente coelho Gonçalves a pular atrás de si, a face mimosa marchetada de chocolate. Abanou a cabeça para os lados, e gritou, naquela voz adorável das crianças da alta burguesia: "Ó Mamã! Era mesmo verdade! O coelho Gonçalves pôs muitos ovinhos de chocolate - pequeníííínos... - e já vinham sem prata nem nada!".