[31] Do clitoris sem acentos, ou de como os erros ortográficos podem ter fundamentos semióticos
Muito se tem escrito sobre esse admirável centro de uma larga fatia da sexualidade humana (a heterossexualidade e a homossexualidade feminina). Mas, geralmente, com pouco cuidado, sobretudo no plano semiótico. Não se pode falar ainda de um
estado de catástrofe, mas já é preocupante.
Às vezes perguntam-me se se escreve clítoris ou clitóris, ou se as duas grafias são admissíveis. A esses respondo: nada disso.
Clítoris é manifestamente errado, pois é uma palavra grave. Daí, também, que não precise de acentuação no "o". Nem clítoris, nem clitóris: simplesmente clitoris, com a sílaba tónica no "o".
Mas o povo sabe mais que os linguistas, e a língua do povo tem um saber de experiência feito. É que há clitoris e clitoris. E essa diferença na realidade designada foi-se acobertando debaixo de uma diferença fonética - os "clítoris" e os "clitóris" - que por sua vez ganhou dimensão ortográfica.
Quando dizemos "clítoris", quem não se lembra imediatamente do clíname de Richard? Algo de delicado, pequeno, escondido e insuspeitado no coração de uma flor, que só vê a luz do dia através de cuidadosa manipulação.
Porém, ninguém no seu perfeito juízo diria "clítoris" para se referir ao clitoris de Lotta Topp ou da fabulosa Linda Might, para já não falar da anabolizada Denise Massino. Aí, é preciso dizer "clitóris". Pletórico. Feérico. Homérico. Ou, melhor ainda, usar o também correcto
clitóride, que evita o ciciamento recatado do "s" final e obriga, muito apropriadamente, a empregar a linguodental "d".
Em conclusão: admitam-se as duas fonéticas, desde que utilizadas conscientemente para distinguir os clitoris proparoxítonos dos clitoris paroxítonos.
E a propósito: ouvi no outro dia uma senhora psico-sexóloga, num programa da TVI (a antiga televisão da Igreja) chamado AB...Sexo, por sinal muito broxante, afirmar que "o clitoris tem, em média, o tamanho de uma ervilha". Fiz já uma investigação sumária das marcas de ervilhas congeladas disponíveis no mercado e posso dizer que tenho fundadas dúvidas sobre a validade de tal afirmação. A não ser que só lhe tenham calhado no consultório clientes paroxítonas. Abençoada.