[102] A pornographia de rua: variações sobre os "olhinhos piçalheiros"
Neste segundo fôlego de O Pornographo, gostaria de introduzir um conceito que tem sido muito subprezado: a
pornographia de rua.
Sei que muitos de vós ainda não completaram o seu processo de emancipação pornographica, por razões várias. Eu compreendo. Vindes aqui, com um meio-sorriso, em busca do que julgais ser a elaboração intelectual da pornographia, procurando esquecer o facto de que sou apenas um pobre contabilista com um interesse particular. Tudo o que deveis resolver com o vosso terapeuta, mas sois sempre bem vindos, porque neste blog não se julga ninguém, exceptuando quem aprecia mamas silicónicas.
Pelas mesmas razões, frequentais, às escondidas d@ cônjuge ou d@ chefe, sites "eróticos", quiçá pornographicos, e requisitais vídeos para adultos, no clube do bairro, com o cartão da vossa sogra. Em verdade vos digo: não vos violenteis.
Há tempo para todo o propósito debaixo do céu (Ec. 3:1), e enquanto não vos sentirdes confortáveis com o espírito pornographico, dai passinhos pequenos.
A pornographia de rua é muito estimável e atraente. Requer apenas sensibilidade e despertamento. Conto-vos mais um pouco da minha história, um episódio rigorosamente verdadeiro.
A primeira vez que fui sozinho à praça comprar peixe, já lá vão mais de duas décadas, pedi umas sardas para fazer de
vinaigrette (um dia dou-vos a receita). A peixeira era uma peixeira-peixeira, daquelas em vias de extinção, nos seus 50 anos, e quando me atendeu bradou bem alto, para as colegas e para quem a quis ouvir: "Ai que olhinhos piçalheiros...! Ai se eu tivesse 20 anos...". Foi nessa altura que me confirmei na ideia, já suspeitada, que o meu destino pornographico estava traçado. Nunca tinha ouvido o vocábulo "piçalheiros" e logo aí percebi que havia um vasto mundo à minha espera. "Olhinhos piçalheiros" é, como diria
Pacheco Pereira (mesmo o verdadeiro),
todo um programa. Corei, engasguei-me, ia-me esquecendo das sardas, etc. Percebi também o fascínio que uma roupa preta pode exercer sobre o sexo masculino.
Assumimos um destino pornographico quando trazemos à consciência as marcas que estes episódios deixam. Hoje, compro peixe num hipermercado que também tem uma peixeira-peixeira, tipo saída de um filme bdsm rodado na Bulgária: pequenina, magrota, arrapazada, provavelmente um pequeno alfobre de DSTs, radiante na sua
beautiful ugliness. Um dia disse-me, com um
regard (no sentido foucaultiano) inesquecível: "tem de abrir bem o saco, que é para eu poder enfiar o peixe no meio". Eu, foi como se visse um lince na Serra da Malcata. A máquina do tempo disparou-me até aos "olhinhos piçalheiros" e tive de me segurar para não meter a cabeça na banca de gelo, entre a xaputa e o linguado.
Por isso estais a ver: se precisardes, começai por estar despertos para a pornographia de rua que vos envolve. Aproveitai a época de saldos, e ide às lojas de roupa feminina, a partir das 6 da tarde, quando elas já têm 10 horas de peregrinação comprativa em cima, e aspirai todo o ar que puderdes perto das cabines de prova. O resto virá naturalmente.