[143] Minha boa Justine:
Tal como
tinha previsto, lá fiz o discursinho da praxe no casamento da filha da Engenheira. Foi um momento cintilante, que todos e todas guardarão na sua memória durante muitos anos.
Comecei por dizer às noivas que lhes admirava a coragem de assumirem os seus sentimentos de uma maneira tão
oficial, neste tempo de relatividades, em que as pessoas preferem os laços aos nós, as tradições periclitam e os costumes são ridicularizados.
Depois, enalteci a amizade demonstrada pelos 100 e tal convidados e convidadas, que não tiveram vergonha de dizer "Presente!" num casamento de lésbicas. E, no caso das mulheres, amizade genuína, porque, a avaliar pelo modo como iam arranjadas, certamente que não estavam lá em busca de parceir@. Porém - prossegui - as noivas que não esperassem a mesma abertura em toda a gente. Teriam de se habituar a ouvir o empregado do café, quando entram, a gritar para o balcão: "São as duas bicas!".
Nessa altura, reparei que a plateia já estava visivelmente emocionada, de olhos pregados no chão, e redobrou-se-me o ânimo para abordar a dimensão filosófica, escatológica e artística do busílis.
Fiz ver, a quem quis, que a união lésbica é muito mais justa e equilibrada do que a heterossexual:
a) O síndrome pré-menstrual é verdadeiramente vivido a dois, partilhado e compreendido com serenidade, na certeza de que induz uma relação de dar-e-receber.
b) Lembrei que, salvo casos excepcionais, a tampa da sanita está sempre seca e pronta para receber visitas (este pormenor deve ter tocado fundo a Engenheira, que afundou o rosto entre as mãos; sorri interiormente e pensei de mim para mim: o que eu não faço por esta mulher).
c) Todas as giletes da casa se destinam às mesmas zonas dérmicas e ninguém corre o risco de tirar um bife ao queixo com uma lâmina embotada por uso indevido.
d) As secretárias e outras colaboradoras causam ciúmes equitativamente distribuídos.
Havia quem já não contivesse a emoção. As noivas, com uma lágrima ao canto do olho, emborcavam copos cheios de mistelas variadas. Senti que era o momento de terminar, com um toque de sensualidade e cultura, que reproduzo em discurso directo para que aquilateis bem de todo o seu fulgor:
"Enfim, ambas sabeis quanto o vosso amor exige de entrega e abnegação: pelo que vejo, nenhuma poderá negar-se apontando à outra uma barba mal feita. Sêde, pois, muito felizes, e, esta noite, não deixeis de sugar a vossa paixão até à última gota: que amanhã possais acordar e recitar, com langor, Elsa Gidlow: 'For what was done there / I ask no man pardon' ".
A sala explodiu e o povo precipitou-se na minha direcção. Pareceu-me que queriam um pedaço da minha roupa, um cabelo, ou ao menos um endereço de e-mail. Mãos providenciais furtaram-me à voracidade da turba e conduziram-me para uma salinha que fecharam à chave até ao fim da festa. Enfim, custos da popularidade.
(Estranhamente, quando regressei ao trabalho na 2ª feira, achei a Engenheira um pouco reservada. É para isto que servem os subalternos: usam-se,
y despues nada).
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