[63] Da pornographia antiga
Obrigado a tod@s @s que quiseram deixar comentários no post abaixo.
A minha ideia é a seguinte: gostamos da pornographia antiga por uma conjugação de quatro factores, cuja importância relativa varia de pessoa para pessoa:
1) Em primeiro lugar, estimula-nos o complexo do
espreita-a-avó-no-bidé: a pornographia antiga remete-nos para aquela época gloriosa da infância (nos casos mais amorfos, adolescência) em que o supino prazer (muito gozo com pouco trabalho) era espreitar a avó durante a higiene íntima. O meu terapeuta tentou convencer-me que não se trata de uma experiência universalizável - e eu despedi-o imediatamente, por óbvia incompetência.
2) Associado a este complexo, surge a pulsão natural de querer saber como os nossos avós, de cuja juventude só conhecemos os retratos de fato e fitas pendurados ao lado da lareira, se excitavam. É uma
revelação perceber que os bigodes retorcidos do Coronel Sanches de Laidebite, antepassado de origem gaulesa com o sobrolho severo, se confundiam por vezes com a farta pintelheira da menina Albertina (origem remota da expressão "ostras ao natural", a explorar em próximo post).
3) Vem a seguir a
desculpabilização por via da "cultura". Um artefacto pornographico antigo "é cultura", é "
erotica", e os casais mais "emancipados" podem dar-se ao luxo de ter alguns exemplares na sala de jantar, à vista das visitas, o que lhes granjeará uma reputação de gente avançada. (Entre parêntesis: este tipo de abordagem faz-me lembrar um episódio muito gratificante, certa vez que visitei casal amigo, que exibia orgulhosamente na sala, sobre uma pequena mesa, um
godemichet feito em dente de morsa, comprado aos
Inuit. A meio do jantar, o Hector, labrador preto e encanzinado, começou a lamber afanosamente o artefacto. Desdramatizei logo a coisa, afirmando que o cheiro da morsa diz muito aos labradores).
4) Mas, acima de tudo, o que nos faz vibrar com a pornographia antiga, consciente ou inconscientemente, é a vitória incontestável do anti-decadentismo, é a evidência de que não somos autores nem vítimas da "dissolução dos valores", é a respiração livre de quem reclama uma herança a que tem direito - e assim honra os seus mais velhos contra o obscurantismo cego, o autoritarismo estúpido e as moralices pacóvias.